Em homenagem ao dia do profissional de educação física (1/9) e dia do nutricionista (31/8), a Universidade Municipal de São Caetano de Sul (USCS) promoveu, de 1 a 4 de setembro, uma série de atividades sobre os dois temas, com o intuito de trazer aos alunos dos cursos de Educação Física e Nutrição da Universidade atualizações e debates sobre temas de grande relevância da nas duas áreas.
Um assunto muito em pauta na atualidade é a necessidade de atividade física constante para pessoas de todas as idades, atrelado à alimentação saudável e que sustente a atividade física desenvolvida. Pensando nisso, entrevistamos os gestores dos cursos de Nutrição e Educação Física, Profª Glaucia Braggion e Prof. Lúcio Melo, para saber mais sobre como a nutrição influencia na atividade física e como a atividade física deve ser ligada sempre a uma boa alimentação.
Professores, qual é o papel da alimentação na performance física e na recuperação muscular?
GLAUCIA: A alimentação é fundamental na performance. Primeiro por fornecer a energia necessária para gerar o trabalho muscular e garantir o máximo de performance, como também para promover a recuperação muscular e energética após o exercício, bem como garantir o aporte de nutrientes para as funções vitais e manutenção da saúde diante de uma demanda aumentada gerada pelo exercício
Existem erros alimentares comuns entre pessoas que treinam com frequência? pode citar alguns deles?
GLAUCIA: Sim. Vários erros comuns são associados a restrições desnecessárias e consumo indiscriminado de suplementos e alimentos que “prometem” exercer efeito potencializador do desempenho. Exemplos: restrição de carboidratos e gorduras, quando não é feita de forma adequada, pode levar o organismo a um déficit energético, acarretando queda na performance, aumento do risco de lesões, deficiências de micronutrientes associados aos alimentos fonte de carboidratos. Por outro lado, o consumo excessivo e não orientado de suplementos alimentares pode levar a um aporte elevado de calorias na dieta que gera ganho de peso, aumento na ingestão de substâncias contidas noa formulação dos suplementos como aromatizantes, corantes, antiumectantes, podem ser deletérios para o organismo (lembro que a maioria dos suplementos são ultraprocessados).
Quais são os riscos de treinar sem uma alimentação adequada?
LUCIO: Treinar sem se alimentar pode ser um risco enorme e, infelizmente, é algo muito comum. É como tentar dirigir um carro superesportivo com combustível adulterado ou com o tanque vazio. Simplesmente não funciona e os danos são certos.
Os principais riscos são:
- Queda drástica de rendimento: Falta de energia para realizar os exercícios com a intensidade necessária.
- Catabolismo muscular: Na falta de energia, o corpo pode começar a usar a própria massa muscular como fonte de combustível. Ou seja, a pessoa treina para ganhar músculos, mas acaba perdendo.
- Aumento do risco de lesões: A fadiga leva à perda de coordenação e execução incorreta dos movimentos.
- Supressão do sistema imunológico: Treinar intensamente sem os nutrientes para a recuperação deixa o sistema mais vulnerável a infecções e doenças.
Quais sinais o corpo dá quando está mal alimentado durante a prática esportiva?
LUCIO: Nosso corpo é uma máquina inteligente, ele nos envia sinais de alerta bastante claros. É fundamental que as pessoas aprendam a ouvi-los.
Os principais alertas são:
- Tontura e sensação de fraqueza: pode ser um sinal de desidratação, que pode levar à queda da pressão arterial e a cãimbras, ou hipoglicemia (baixo açúcar no sangue).
- Perda de concentração e coordenação: Também é um sinal de hipoglicemia. O cérebro também precisa de energia, mas só consegue usar a glicose para isso. Quando ela falta, a capacidade de executar movimentos complexos com segurança diminui.
- Irritabilidade e mau humor: Também é um sinal de hipoglicemia. Nosso organismo reage para combatê-la e isso gera esses sintomas.
- Fadiga prematura: Sentir-se exausto muito antes do que seria o normal para aquele treino.
- Câimbras persistentes: Podem indicar desidratação e desequilíbrio de eletrólitos, algo diretamente ligado à nutrição e hidratação.
- Náuseas: O corpo pode desviar o fluxo sanguíneo do sistema digestivo para os músculos, e a falta de nutrientes adequados pode intensificar esse sintoma.
- Vale destacar que, em pessoas que não têm diabetes em uso de insulina, esses sintomas serão devidos principalmente à queda de pressão arterial e não à hipoglicemia. Porém, isso não torna menos importante realizar a atividade física alimentado adequadamente, pois isso pode levar à redução no desempenho, como já mencionado.
Como adaptar a alimentação para diferentes objetivos físicos (emagrecimento, hipertrofia, resistência)?
GLAUCIA: A adaptação necessária para atingir objetivos específicos como hipertrofia, emagrecimento, melhora na composição corporal, ganhos de resistência e performance passa necessariamente por ajustar ao máximo a oferta de nutrientes e substâncias bioativas presentes nos alimentos à real necessidade de cada organismo, de forma individualizada. Portanto, os alimentos in natura, as preparações culinárias e os alimentos minimamente processados devem compor a base de uma dieta adequada e saudável. O uso de suplementos deve ser secundário e somente nos casos em que a dieta não consegue ser perfeitamente ajustada. Um profissional nutricionista é aquele capaz de fazer um adequado planejamento alimentar e dar as orientções necessárias para a autonomia do atleta em relação à dieta.
Qual a importância da hidratação no contexto da atividade física?
GLAUCIA: A hidratação é fundamental uma vez que mais de 70% do corpo é composto por água. A água é responsável pelo transporte de diversas substâncias e nutrientes até as células, compõe o sangue que transporta nutrientes e oxigênio, e ainda é envolvida nas reações químicas metabólicas de geração de energia para o trabalho das células. Outro papel fundamental da água é relacionado à termorregulação, ou seja, a regulação da temperatura corporal em níveis fisiológicos, evitando a hipertermia (superaquecimento) durante as sessões de exercícios que geram muito calor metabólico e tendem a elevar a temperatura corporal. É através do suor que a água elimina calor do corpo, portanto, a hidratação é fundamental para garantir esse processo de termorregulação.
Podem nos dar algumas dicas de nutrição para quem pratica atividade física regularmente?
GLAUCIA: Algumas dicas práticas: não fazer atividades físicas intensas e prolongadas em jejum nem após consumir refeições muito pesadas e de difícil digestão. Equilíbrio é tudo.
Basear sua alimentação em alimentos in natura e minimamente processados, evitando os industrializados utraprocessados. Somente consumir suplementos nutricionais m casos de real necessidade, e sob orientação de profissional habilitado. Evitar longos períodos sem se alimentar. Cuidado, o jejum intermitente não é indicado para a alta performance. Hidratar-se bem, ingerindo líquidos ao longo do dia em abundância. Cuidar para ingerir fontes de energia antes do exercício, em sua maioria proveniente dos carboidratos como pão, massas, frutas, batata, arroz, etc. Após os exercícios, repor a energia gasta também com alimentos energéticos ricos em carboidratos e fibras. Distribuir alimentos fontes de proteínas de boa qualidade ao longo do dia em doses fracionadas é muito melhor do que concentrar grandes porções após os exercícios, isso garante melhores resultados de recuperação muscular e sintese proteica, que refletem em ganhos de massa muscular.
Como a prática regular de exercícios físicos contribui para a saúde mental?
LUCIO: Essa relação entre exercício físico e saúde mental é muito estudada, por isso está claro que fisiologicamente, quando nos exercitamos, nosso cérebro libera uma série de neurotransmissores, que geram sensações de prazer, bem-estar e relaxamento, atuando como um antidepressivo e ansiolítico natural. Além disso, a prática regular ajuda a regular os níveis de cortisol, o hormônio do estresse.
Além disso, o exercício melhora a autoestima e a autoimagem, à medida que a pessoa se sente mais bela, forte e capaz. Superar desafios no treino gera um sentimento de conquista que se transfere para outras áreas da vida.
Aos estudantes, importante lembrar que a prática do exercício físico ajuda a melhorar a qualidade do sono, o foco e a concentração, os quais refletirão em seus estudos.
Como o profissional de educação física pode atuar com o nutricionista para garantir melhores resultados? Há profissionais que atuam nas duas áreas?
LUCIO: Esse trabalho multidisciplinar, unindo a Educação Física e a Nutrição é, não apenas benéfico, mas essencial para resultados otimizados e seguros para quem procura esses profissionais. De maneira geral, nossos papéis são distintos e complementares:
O Profissional de Educação Física prescreve o treino: calcula o volume, a intensidade, a frequência e prescreve o melhor tipo de exercício para a condição e o objetivo do aluno.
Já o Nutricionista prescreve o plano alimentar: ele usa as informações do treino para calcular a necessidade de calorias, carboidratos, proteínas, gorduras e micronutrientes, além de definir o momento ideal para cada refeição.
Sobre a segunda parte da pergunta, é preciso ter muito cuidado. Um profissional de Educação Física não pode e não deve prescrever dietas ou planos alimentares detalhados. Isso é um ato privativo do nutricionista. Nossa competência nos permite dar orientações gerais, mas a prescrição individualizada é de outra área.
Por isso, a situação ideal é a comunicação constante. O profissional de Educação Física informa ao nutricionista sobre a periodização do treino, e o nutricionista ajusta a dieta conforme essa demanda, garantindo que o cliente tenha energia para treinar e nutrientes para se recuperar.
Há algum tipo de treino que exige maior atenção à alimentação pré e pós-treino (emagrecimento, hipertrofia, resistência)?
LUCIO: Todos os tipos de treino se beneficiam de uma alimentação planejada, mas o foco nutricional muda de acordo com o objetivo, sim. Por isso é importante buscar a orientação de um nutricionista para ajudar a determinar a melhor forma de ingerir os nutrientes necessários para que a prática do exercício ocorra em consonância com o que seu corpo necessita para começar, executar e se recuperar da prática.
Pode-se destacar, neste sentido, que atletas, por treinarem com volumes e intensidades altas, além de pessoas com doenças crônicas como diabetes ou ainda aquelas que passaram por cirurgia bariátrica precisam de um cuidado mais específico, para não ter prejuízo no desempenho.
Podem nos dar algumas dicas sobre o assunto para quem pratica atividade física regularmente (tendo em vista que hoje o desejo de estar em forma, muitas vezes não vem acompanhado de uma alimentação correta)?
LUCIO: A estética é uma motivação válida, mas ela precisa ser a consequência de um processo saudável, que leva tempo para que seu corpo entenda e se adapte ao “novo eu” que você está procurando. A pressa e a procura por “milagres” imediatistas traz resultados rápidos que dificilmente serão mantidos, uma vez que você não mudou a forma como lidar com seu corpo e sua alimentação.
Assim, minhas principais dicas e não prescrições (pois elas só cabem aos Nutricionistas), seriam:
Primeiro: Se você não tem uma restrição ou indicação médica e nutricional diferente, baseie sua alimentação em comida de verdade, evitando os alimentos ultra processados: frutas, legumes, verduras, grãos integrais, proteínas magras.
Segundo: Hidratação não é negociável. Muitas vezes, a sensação de cansaço e fome é, na verdade, sede. Água é fundamental para todas as funções do corpo, inclusive para a performance esportiva.
Terceiro: Mais uma vez, esqueça as fórmulas mágicas. A individualidade é a chave e, ao contrário da IA, o Profissional de Educação Física e o Nutricionista vão adorar estudar e trabalhar com as suas características e necessidades. O que funciona para uma pessoa pode ser desastroso para outra.
Quarto: Consulte o Guia Alimentar para a População Brasileira e o Guia de Atividade Física para População Brasileira, disponíveis no site do Ministério da Saúde.
Quinto: Invista em uma equipe multidisciplinar. O caminho mais rápido, seguro e sustentável para atingir seus objetivos é ter o acompanhamento de um bom profissional de Educação Física, que irá prescrever o treino correto, e de um nutricionista, que cuidará do seu ‘combustível’. Esse é o verdadeiro investimento na sua saúde. O corpo que você deseja não se constrói apenas com suor, mas com ciência, inteligência e respeito às suas necessidades.